Simbolismo histórico da coroa

simbolismo historico da coroa

O simbolismo da coroa fica a depender de três fatores principais:

Sua colocação no alto da cabeça lhe confere um significado supereminente: ela participa não só dos valores da cabeça, cimo do corpo humano, mas dos valores do que sobrepuja a própria cabeça, um dom vindo de cima; ela assinala o caráter transcendente de uma realização qualquer bem-sucedida.

Sua forma circular indica a perfeição e a participação da natureza celeste, de que o círculo é o símbolo. Ela une, na pessoa do coroado, o que está abaixo dele e o que está acima, mas fixando os limites que, em tudo que não é ele, separam o terrestre do celestial, o humano do divino. Recompensa de uma prova, a coroa é uma promessa de vida imortal, a exemplo da vida dos deuses.

Enfim, a própria matéria da coroa, vegetal ou mineral, indica, por sua consagraçáo a determinado deus ou determinada deusa, a natureza do feito heroico realizado e a da recompensa divina atribuída, a assimilação a Ares (Marte), Apolo, Dioniso etc. Revela, ao mesmo tempo, que forças supraterrestres foram captadas e utilizadas para o êxito do feito premiado.

Concebe-se, desde logo, que a coroa simboliza uma dignidade, um poder, uma realeza, o acesso a um nível e a forças superiores.

Quando ela termina em forma de domo, afirma uma soberania absoluta. Já se observou que a palavra "coroa" é, originariamentemente muito próxima da palavra corno (chifre) e exprime a mesma ideia: a de elevação, poder, iluminação.

Uma e outra se elevam acima da cabeça e são insígnias do poder e da luz. A coroa foi, outrora, ornada de pontas que figuravam, como os cornos (chifres), raios de luz.
Esse pode ser também o significado da coroa crística. E é, seguramente, o das cabeças de cobra que cingem a fronte das divindades egípcias e a dos faraós.

No simbolismo cabalístico, a coroa exprime o Absoluto, o Não Ser (Ayn Soph), está no topo da Árvore dos Sephiroth.

A iconografia alquimista mostra os espíritos dos planetas recebendo sua luz, sob forma de coroa, das mãos de seu rei, o Sol.

Toda coroa participa do brilho e do simbolismo da coroa solar. Só os deuses e os faraós ostentavam coroas no Egito.

Soberanos do Alto e do Baixo Egitos, as faraós usam a dupla coroa (pschent) composta da mitra branca do Alto Egito engastada na coroa vermelha do Delta. O atew é o ornamento de cabeça sagrado de Osíris. Compõe-se da mitra branca, de duas plumas de avestruz, de chifres de carneiro, do urélio (uraeus), o que se soma, ocasionalmente, a alguns outros ornamentos.

Cada um desses elementos é um hieróglifo, porque tudo é símbolo no Egito: a mitra branca exprime uma ideia de luz; a pluma de avestruz é o emblema da verdade; os chifres de carneiro lembram o ardor gerativo etc.

Essas coroas divinas ou régias eram objeto de um culto, porquanto, "grandes nos seus sortilégios e manipuladas unicamente pelos iniciados nos mistérios dos dois uraeus, elas eram consideradas seres carregados de poder".

Durante o preparo da água sagrada e durante o sacrifício aos Oito Deuses Terríveis, destinado a afastar os espíritos funestos, o padre tibetano oficia cingido por uma coroa com cinco efígies; conhecem-se coroas análogas na Mongólia, no Nepal, em Bali.

Cada painel representa uma certa rede de concordâncias em torno das figuras dos cinco Dhyani-Budas ou Budas de meditação:
[...] verde, Norte, ausência de temor;
[...] vermelho, Oeste, meditação;
[...] azul, Leste, testemunho;
[...] branco, Centro, ensino;
[...] amarelo, Sul, caridade"

Essa coroa simboliza e concentra ao mesmo tempo as forças exteriores e interiores que garantem ao sacrifício seu valor cósmico e ético, associando à celebração o conjunto dos cinco Budas e o universo material: os cinco pontos cardeais, com seu centro e as cinco cores.

Na ioga — e também no Islã — a coroa da cabeça é o ponto por onde a alma escapa das limitações corpóreas para elevar-se aos estados supra-humanos.

É, à maneira hindu, o Sahasrara padma (o lótus das mil pétalas). Desde a mais alta Antiguidade, se atribui valor profilático à coroa. Ela o tinha pela matéria de que era feita: flores, folhagem, metais e pedras preciosas, e pela sua forma circular, que a aparentava ao simbolismo do céu.

Na Grécia e em Roma, a coroa era um signo de consagração aos deuses. No sacrifício, sacrificador e vítima são coroados. Os deuses voltam as costas aos que se apresentam diante deles sem coroa, diz um poeta grego arcaico.

As estátuas dos deuses são coroadas, e, em geral, com as folhas das árvores ou os frutos das plantas que lhes são consagradas, o carvalho a Zeus, por exemplo, o loureiro a Apolo, o mirto a Afrodite, a vinha a Dioniso, as espigas a Ceres etc.

Os mortos são ornados com uma coroa, como os vivos nas grandes circunstâncias da vida, para atrair a proteção divina. As coroas tendem a assimilar aqueles que as levam à divindade. São um símbolo de identificação. Elas captam as virtudes do céu, ao qual se parecem pela forma, como já foi visto, e do deus, a quem sua matéria as identifica.

Guarnecida de ameias, a coroa orna os deuses, as deusas, os heróis, bem como Cibele, deusa da terra e das searas. A coroa é a figura do lugar de repouso dos Bem-aventurados ou dos Mortos (os círculos dantescos da Divina comédia) ou do estado espiritual dos iniciados.

Tabulas órficas atribuem as seguintes palavras à alma de um defunto que se dirige a Perséfone: 'Eu levantei voo para fora do ciclo enlutado das dores. E com meus pés ligeiros, abordei a coroa desejada." Ou, ainda, segundo Plutarco, o iniciado, "tornado livre e capaz de divagar sem embaraços, celebra os mistérios, com uma coroa na cabeça".

Foi uma coroa de luz, segundo uma versão da lenda de Ariadne e de Teseu, que guiou Teseu no seio do labirinto depois de morto o Minotauro. E essa coroa de luz lhe veio de Ariadne, que a recebera de Dioniso como presente de núpcias.

Símbolo da luz interior, que aclara a alma daquele que triunfou num combate espiritual. C. G. Jung verá na coroa irradiante o símbolo por excelência do grau o mais elevado da evolução espiritual.

Na iconografia da América Central, a coroa só aparece com os deuses agrários. A coroa de plumas dos indígenas, a coroa de ouro e a auréola representam uma tentativa de identificação com a divindade solar e, por conseguinte, uma excepcional tomada de poder.

Essa coroa de plumas se transformou, com a degradação do sentido do símbolo, num ornato de folclore ou de feira, "servindo, então, de atributo da América na representação alegórica das partes do mundo".

A imagem da coroa está relacionada, nos escritos judaicos e cristãos, com modos os mais diversos de representação.

a. A coroa real ou sacerdotal.

Em todas as civilizações, o atributo do rei é a coroa. Todavia, a religião judaica assimilou, em alguns casos, o diadema de ouro puro usado pelo sumo sacer-dote (Êxodo, 28, 36) a uma coroa. Sendo Deus o soberano supremo, pode coroar os homens e os povos com suas bênçãos (Ezequiel, 16, 12; Isaías, 62, 3).

Os profetas chegam a dizer que Israel é a coroa do seu Deus, isto é, o signo de sua ação onipotente em favor dos homens. O conteúdo do símbolo se amplia, e a coroa assinala, com perfeita naturalidade, a honra, a grandeza, o júbilo, a vitória. Daí se passa, sem esforço, à ideia de vitória escatológica, transcendente.

Os livros sagrados prometem aos fiéis a coroa de glória da vitória suprema. É nessa perspectiva que se deve ler e entender os textos do Apocalipse. Os 24 Anciãos que, no céu, representam a Igreja de Deus, levam coroas, que depositam diante do trono de Deus.

O Cristo aparece como soberano, coroado como o próprio Deus (Apocalipse, 14, 14).

b. A coroa do atleta vitorioso nos jogos e combates do estádio.

É essa realidade concreta que o cristianismo primitivo transpõe num registro espiritual e religioso. A vida do cristão implica, na sua fidelidade, um esforço sustentado. É uma corrida em direção a um alvo, e todas as forças vivas do indivíduo devem estar con-centradas na sua participação (1 Coríntios, 9, 24-27). A vitória, e a coroa, que constitui o seu prêmio, não são mais comparadas a uma recompensa merecida por uma vida moral exemplar, mas à salvação eterna, concedida àquele que, levando a sério a significação do Evangelho, viveu com um único objetivo, o de honrá-lo. Donde a nota escatológica, tantas vezes presente na imagem da coroa (Tiago, 1,12; 1 Pedro, 4, 5). É por isso que se pode falar de coroa de vida (Apocalipse, 2, 10), de coroa de imortalidade.

Mártir na arena, Policarpo obteve verdadeiramente o prêmio: a imortalidade. Essa utilização do símbolo suscita uma generalização na qual se perde completamente de vista o elo principal com os jogos esportivos.

Assim, o relato da ascensão de Isaías (9, 7) fala das coroas reservadas no sétimo céu aos que amam o Bem Amado (o Messias).

c. Esse sentido derivado permite aproximar da coroa a guirlanda que os iniciados recebem nos cultos que têm mistérios.

O devoto de Mitra que se vê elevado ao grau de miles recebe uma coroa e exclama: "Mitra é a minha coroa!" O mesmo acontece nos mistérios de Isis (v. Apuleio, O asno de ouro).

É lícito indagar se não conviria evocar aqui a imagem da coroa que simboliza a iniciação cristã: o batismo. As Odes de Salomão, cujo caráter batismal é reconhecido pela maioria dos especialistas, contêm muitas alusões suscetíveis de serem assim compreendidas: "Ode I: Teceram-me uma coroa de Verdade"; (20, 7-8): "Reveste-te abundantemente da graça do Senhor; vem de volta ao paraíso, tece uma coroa da sua árvore e põe essa coroa na tua cabeça."

É fácil observar que, nesses textos, a imagem da coroa está indissoluvelmente ligada à do paraíso, uma vez que é a árvore da vida que fornece os materiais de que a coroa será feita. Da mesma forma, o Procatecismo de Cirilo de Jerusalém: "Vós, os catecúmenos, vós teceis flores espirituais em coroas celestes [...]."

As liturgias mandeístas atestam um rito de coroamento efetivo do novo batizado. Para explicar os textos das Odes de Salomão, é possível apelar ainda para um último aspecto do tema da coroa. Sabe-se que o dom da coroa nupcial é um rito essencial nos casamentos orientais (Cântico, 3, 11). Como não repugna às odes falar de núpcias espirituais entre a alma e o Cristo, é lícito igualmente indagar se o símbolo da coroa não deverá ser entendido nesse contexto.

d. É esse, efetivamente, o sentido que os ritos medievais da consagração das virgens parecem confirmar: as cerimônias são uma réplica da celebração do sacramento do matrimônio. Seus símbolos principais são o véu, o anel e a coroa.

O véu simboliza a vontade e o voto da virgem de ser preservada de toda mácula pelo amor dos bens eternos; o anel simboliza a fidelidade à fé: o sinal do Espírito Santo, a fim de que sejas chamada esposa do Cristo. Em seguida, o bispo depõe uma coroa na cabeça da virgem, dizendo: Recebe um sinal do Cristo na tua cabeça, A fim de que te tornes esposa dele; E, se permaneceres nesse estado, Serás coroada para toda a eternidade.

Esses símbolos são claros e tradicionais. Em razão de sua origem solar, a coroa simboliza o poder régio ou, melhor ainda, o poder divino. Esse símbolo da coroa é, aliás, muito antigo.

Os sacerdotes judeus usavam coroas de flores na procissáo da festa dos tabernáculos. Mais,tarde, a coroa simbolizará a presença do Cristo, que é como uma coroa na cabeça dos eleitos. Tal uso, que se encontra de novo no ritual do batismo, indica um novo nascimento no Cristo. É pelo Cristo e no Cristo que a virgem, por ocasião da sua consagração, possui um nome novo.

A coroa serviu, depois, para designar toda superioridade, por efêmera e superficial que fosse, e para recompensar um feito insigne ou méritos excepcionais. A imagem não conservava senão numa pálida filigrana a lembrança do seu valor simbólico. Não era mais que o signo da manifestação de um sucesso ou de uma dignidade. Figurou, com materiais diversos, na fronte ou na mão dos generais triunfantes, dos gênios, dos sábios, dos poetas, das alegorias da vitória, da guerra, da paz, da ciência, da retórica, da filosofia, da teologia, da astrologia, da fortuna, da virtude, da honra, da sabedoria.

Ornou a fronte dos vícios desde que superiores, como o orgulho, ou, segundo os gostos, como a gula e a luxúria. Já se viu que representava a América, com penas. Pois foi também atributo da Europa e da ninfa Europa, pois esta era superior às demais como o continente era "superior aos outros: reinava sobre o resto do mundo". Foi também atributo da África, que "tem a cabeça toda cingida de raios flamejantes".

 

 

Fonte: Livro Dicionário dos Símbolos, por Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, editora J.O.


Página atualizada na Agência EVEF em 29/03/2022 por Everton Ferretti