O amarelo na simbologia das cores

Intenso, violento, agudo até a estridência, ou amplo e cegante como um fluxo de metal em fusão, o amarelo é a cor mais quente, a mais expansiva, a mais ardente das cores, difícil de atenuar e que extravasa sempre nos limites em que o artista desejou encerrá-la.

Os raios do Sol, atravessando o azul celeste, manifestam o poder das divindades do Além. No panteão asteca, Huitzilopochtli, o Guerreiro vitorioso, Deus do Sol e do Meio-Dia, é pintado de azul e amarelo. O amarelo, luz de ouro, tem valor cratofânico, e o par de esmaltes Ouro-Blau se opõe ao par Goles-Sinople, como se opõem o que provém do alto e o que vem de baixo.

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O campo da sua confrontação é a pele da terra, nossa pele, que fica amarela - ela também - com a aproximação da morte. No par Amarelo-Azul, o amarelo, cor masculina, de luz e de vida, não pode tender para o esmaecimento. Kandinsky o percebeu muito bem quando disse: "o amarelo tem uma tal tendência ao claro que não pode haver amarelo muito escuro. Pode-se dizer que existe uma afinidade profunda, física, entre o amarelo e o branco".

A cor amarela é da juventude, do vigor, da eterna divindade. O amarelo é a cor dos deuses: Zoroastro, segundo Anquetil, significa astro de ouro brilhante, liberal, astro vivo. O Om, verbo divino dos tibetanos, tem por qualificativo "cor dourada". Vishnu é aquele que usa vestes amarelas, e o ovo cósmico de Brahma brilha como o ouro.

A Luz de Ouro se torna, por vezes, um caminho de comunicação nos dois sentidos, um diador entre os homens e os deuses. Assim, Frazer acentua que uma faca de ouro era empregada na Índia para os grandes sacrifícios do cavalo "porque o ouro é a luz e porque é por meio da luz dourada que o sacrifício ganha o reino dos deuses", segundo Brahma.

Na cosmologia mexicana, o amarelo-ouro é a cor da pele nova da terra, no início da estação - chuvas, antes que se faça verde de novo. Está, então, asssociada ao mistério da Renovação. Por esse motivo, Xipe Totec, Nosso Senhor o Esfolado, divindade das chuvas primaveris, é também o deus dos ourives.

Por ocasião das festas da primavera, seus sacerdotes se revestiam das peles das vítimas supliciadas para aplacar essa divindade temirrível. Tais peles eram pintadas de amarelo (SOUM), e o amarelo-ouro era o atributo de Mitra na Pérsia e de Apolo na Grécia.

Sendo de essência divina, o amarelo-ouro se torna, na Terra, o atributo do poder dos príncipes, reis, imperadores para proclamar a origem divina do seu poder.

Os verdes louros da esperança humana se recobrem do amarelo-ouro do poder divino. Os Ramos verdes do Cristo, na sua passagem terrestre, são substituídos por uma auréola dourada quando Ele retorna ao Pai. No Domingo de Ramos na Espanha, é com palmas amareladas que os fiéis acenam diante das catedrais.

O amarelo é a cor da eternidade, como o ouro é o metal da eternidade. Um e outro são a base do ritual cristão. O ouro da cruz na casula do padre, o ouro do cibório, o amarelo da vida eterna, da fé se unem à pureza original do bran.: na bandeira do Vaticano.

É também em meio a todos esses ouros, a todos esses amarelos, que os padres católicos conduzem os falecidos para a vida eterna. Todos os psicopompos tem assim, em maior ou menor grau, o amarelo a seu serviço como é o caso, por exemplo, de Mitra.

É também, em diversas tradições orientais, o dos cães infernais, como o do Zend Avesta, que tem os olhos amarelos - para melhor penetrar os segredo das trevas - e as orelhas tingidas de amarelo e de branco.

Nas câmaras funerárias egípcias, a cor amarela é mais frequentemente encontrada em associação com a cor azul, para assegurar a sobrevivência da alma, pois o ouro que o amarelo represnta vem da carne do sol e dos deuses.

Essa presença do amarelo no mundo croniano, sob o pretexto da eternidade, introduz o segundo aspecto simbólico dessa cor terrestre.

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Simbologia do amarelo no ciclo da vida, do nascimento à morte

O amarelo é a cor da terra fértil, a que fazia com que se recomendasse na China, a fim de assegurar a fertilidade do casal, que se pusesse em completa harmonia o yin e o yang, que as vestes, as cobertas e os travesseiros do quarto nupcial fossem todos de seda amarela.

Mas essa cor de espiga de milho madura do verão já anuncia a do outono, quando a terra se desnuda, perdendo seu mando verde.

Sob esse aspecto, o amarelo é o anunciador do declínio, da velhice, da aproximação da morte. No fim, o amarelo se torna um substituto do preto. Assim, para os indígenas da etnia Pueblo, Tewa (amarelo) é a cor do oeste, do pôr do sol.

Já para os Astecas e os Zunis, o amarelo é a cor dao norte ou do sul, conforme a época do ano que a posição do sol no céu represente a direção dos mundos inferiores (orientado pelo solstício).

No tantrismo búdico, o amarelo corresponde ao mesmo tempo ao centro raiz (Muladara-Chakra), ao elemento terra e também ao Ratnasambavap, cuja luz é de natureza solar.

O amarelo e o preto são para os chineses a direção do norte ou dos abismos subterrâsneos onde se encontram as fontes amarelas que levam ao reino dos mortos. Isso porque as almas que descem até as fontes amarelas (yang) aguardam lá o solstício para a sua restauração cíclica.

Se o norte, as fontes amarelas são de essência yin, elas são também a origem da restauração do yang.

Por outro lado, o amarelo está associado ao negro como seu oposto e seu complementar. O amarelo se separa do negro no momento da diferenciação do caos: a polarização da indiferenciação primordial se faz em amarelo e negro — como em yang e yin, em redondo e quadrado, em ativo e passivo (Lie-tse).

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Amarelo e negro são, segundo o I-Ching, as cores do sangue do dragão-demiurgo. Não se trata aí, todavia, senão de uma polarização relativa, de uma primeira coagulação. O amarelo emerge do negro, na simbologia chinesa, como a terra emerge das águas primaveris.

Se o amarelo é, na China, a cor do Imperador, é efetivamente por estar estabelecido no centro do Universo, como o Sol está estabelecido no centro do céu. Quando o amarelo se detém sobre esta terra, a meio caminho entre o muito alto e o muito baixo, ele não arrasta na sua esteira mais que a perversão das virtudes de fé, de inteligência, de vida eterna.

Amarelo enxofre e a simbologia da traição

Esquecido o amor divino, chega o enxofre luciferiano, imagem da soberba e da presunção, da inteligência que só deseja alimentar a si mesma. O amarelo está ligado ao adultério, quando se desfazem os laços sagrados do casamento, à imagem dos laços sagrados rompidos por Lúcifer, com a nuança de que a linguagem comum acabou por inverter o símbolo, atribuindo a cor amarela ao enganado, quando ela cabe, originariamente, ao enganador, como o atestam muitos outros costumes.

A porta dos traidores era pintada de amarelo a fim de atrair para ela a atenção dos transeuntes, nos sécs. XVI e XVII. Desde o Concílio de Latrão IV (1215) os judeus foram obrigados a levar uma rodela amarela costurada à roupa. O Dictionnaire de Trevous (1771) garante que "é costume açafroar, ou seja, pintar de amarelo açafrão, as casas dos falidos".

Donde se conclui que, quando os sindicalistas chamam "amarelo" o operário que se dessolidariza da sua classe, estão, sem saber, recorrendo às mesmas fontes simbólicas em que os nazistas foram buscar a ideia de aplicar a estrela amarela aos judeus.

Mas é possível que os judeus, invertendo a valorização do símbolo, vejam na estrela de Davi (de seis pontas), não um sinal de infâmia, mas a gloriosa luz de Jeová.

A valorização negativa do amarelo é, igualmente, atestada nas tradições do teatro de Pequim, cujos atores se maquilam de amarelo para indicar a crueldade, a dissimulação, o cinismo e expressam pelo vermelho a lealdade e a honestidade.

Todavia, nesse mesmo teatro tradicional, os costumes dos príncipes e imperadores — indicando, aí, não a psicologia mas a condição social dos personagens — são também amarelos.

Essa utilização da cor amarela no teatro chinês leva em conta a ambivalência que lhe é própria, e que faz do amarelo a mais divina das cores e, ao mesmo tempo, a mais terrestre, segundo a expressão de Kandinsky.

A mesma ambivalência se encontra na mitologia grega. As maçãs de ouro do jardim das Hespérides são símbolo de amor e de concórdia. Não importa que Héracles as subtraia: elas terminam voltando ao jardim dos deuses. São os verdadeiros frutos do amor, pois que Gaia, a Terra, os ofereceu a Zeus e a Hera como presente de casamento: consagraram, assim, a hierogamia fundamental da qual tudo proveio.

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Mas o pomo da discórdia, outra maçã de ouro, que está na origem da guerra de Tróia, é símbolo de orgulho e de inveja. Ainda na mitologia grega, as duas faces do símbolo se aproximam no mito de Atalanta, a Diana grega, Virgem agressiva: enquanto ela corre na sua aposta com Hipômenes — que tem a intenção de matar, em seguida, como fez com todos os seus outros pretendentes — cede ao irresistível desejo nela despertado pelas maçãs de ouro que o rapaz lança por terra, à frente dela. É vencida. Então, trai seus votos — mas por essa traição conhece o amor.

Certos povos procuraram clivagem do símbolo nas noções de embaciamento e brilho da cor — o que não deixa de lembrar a distinção simbólica do branco fosco e do branco brilhante, principalmente no que concerne aos cavalos infernais e celestes.

É o mesmo caso no Islã, onde "o amarelo dourado significava sábio e de bom conselho, e o amarelo pálido, traição e decepção".

A mesma distinção é encontrada na linguagem da heráldica, que valoriza o ouro-metal a expensas do amarelo-esmalte.

 

Veja também

Logotipos e símbolos comerciais que usam o amarelo

 

 

Fonte: Livro Dicionário dos Símbolos, por Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, editora J.O.

 


Página atualizada por Everton Ferretti em 04/03/2022 na Agência EVEF