Simbologia histórica do cavalo

simbologia histórica do cavalo

Uma crença, que parece estar fixada na memória de todos os povos, associa originalmente o cavalo às trevas do mundo ctoniano, quer ele surja, galopante como o sangue nas veias, das entranhas da Terra ou das abissais profundezas do mar.

Filho da noite e do mistério, esse cavalo arquetípico é portador de morte e de vida a um só tempo, ligado ao fogo, destruidor e triunfador, como também à água, nutriente e asfixiante.

A multiplicidade de suas acepções simbólicas decorre dessa significação complexa das grandes figuras lunares em que a imaginação associa, por analogia, a Terra, em seu papel de Mãe, a Lua, seu luminar, as águas e a sexualidade, o sonho e a divinação, o Reino vegetal e sua renovação periódica.

Por isso, os psicanalistas fizeram do cavalo o símbolo do "psiquismo inconsciente ou da psique não humana", arquétipo próximo ao da "Mãe, memória do mundo", ou então ao do tempo, porquanto está ligado "aos grandes relógios naturais", ou ainda, ao da impetuosidade do desejo.

Mas a noite conduz ao dia, e acontece que o cavalo, ao passar por esse processo, abandona suas sombrias origens para elevar-se até os céus em plena luz.

Vestido de um branco manto de majestade, ele cessa então de ser lunar e ctoniano, para tornar-se uraniano ou solar, na esfera dos deuses bons e dos heróis: o que amplia ainda mais o leque de suas acepções simbólicas.

Esse branco cavalo Celeste representa o instinto controlado, dominado, sublimado; é, segundo a nova ética, a mais nobre conquista do homem.
Entretanto, não há conquista que seja eterna e, a despeito dessa imagem luminosa, o cavalo tenebroso prossegue sempre, dentro de nós, sua corrida infernal: ele é por vezes benéfico, por vezes maléfico.

Pois o cavalo não é um animal como os outros. Ele é montaria, veículo, nave, e seu destino, portanto, é inseparável do destino do homem.
Entre os dois intervém uma dialética particular, fonte de paz ou de conflito, que é a do psíquico e do mental. Em pleno meio-dia, levado pelo poderoso ímpeto de sua corrida, o cavalo galopa às cegas, e o cavaleiro, de olhos bem abertos, procura evitar os pânicos do animal, conduzindo-o em direção â meta que se propôs alcançar; à noite, porém, quando é o cavaleiro que por sua vez se torna cego, o cavalo pode então tornar-se vidente e guia. A partir daí, é ele que comanda, pois só ele é capaz de transpor impunemente as portas do mistério inacessível à razão.

Se entre ambos, porém, houver qualquer conflito, a corrida empreendida poderá levar à loucura e à morte; mas se houver concordância, ela será triunfante. As tradições, os rituais, os mitos, contos e poemas que evocam o cavalo, não fazem senão exprimir as mil e uma possibilidades desse jogo sutil.

O animal das trevas e dos poderes mágicos

A estepe da Ásia central, país de cavaleiros e de xamãs, conservou em suas tradições e em sua literatura a imagem do cavalo ctoniano, cujos misteriosos poderes suprem os do homem e transpõem-lhes o limite, no umbral da morte.
Clarividente, acostumado com as trevas, o cavalo exerce funções de guia e de intercessor; numa palavra: de psicopompo.

Sob esse aspecto, a epopeia quirguiz de Er-Tõshtük é significativa. A fim de recuperar sua alma que fora roubada por um mágico. Tõshtük, por mais que fosse um verdadeiro herói, vê-se obrigado, de certo modo, a abdicar de sua própria personalidade e a fiar-se nos poderes supranormais do cavalo mágico Tchal-Kuiruk, que o auxiliaria a penetrar no mundo subterrâneo e a livrar-se de suas emboscadas.

Tchal-Kuiruk, esse Bayard (cavalo mágico, personagem do romance de cavalaria do séc. XII intitulado Os quatro filhos Aymon, em que se narram as aventuras de quatro bravos cavaleiros que lutam contra Carlos Magno, todos quatro montados nesse mesmo cavalo), asiático, é capaz de entender e falar como um homem; e desde o início da cavalgada fantástica ele adverte seu amo da inversão de poderes que deverá ocorrer: "Teu peito é largo, mas teu espírito é estreito; não és capaz de refletir sobre coisa alguma. Tu não vês o que eu vejo e não sabes o que eu sei [...J. Tu tens a coragem, mas falta-te a inteligência".

E, finalmente, acrescenta as palavras que resumem de modo admirável seus poderes: "Eu sou capaz de caminhar nas águas profundas." No entanto, Tchal-Kuiruk, que participa ao mesmo tempo dos dois mundos, não consegue passar de um a outro senão ao preço dos mais cruéis suplícios; e, cada vez que a situação assim o exige, ele próprio pede ao seu cavaleiro que lhe arranque a chicotadas pedaços de carne, do tamanho de carneiros, a fim de tomar mais eficazes suas virtudes; a imagem é significativa: em cada uma dessas vezes, opera-se um processo iniciático.
Basta a leitura dessa epopeia, para que se penetre o sentido profundo de certas tradições
xamânicas.

Assim, entre a maioria dos povos altaicos, a sela e o cavalo do morto são colocados perto do cadáver, a fim de assegurar ao defunto os meios para fazer sua última viagem.

Entre os buriatas, costuma-se amarrar o cavalo de um doente (que, segundo a crença, perdeu temporariamente a alma) perto do leito de seu amo, a fim de que dê sinais do retorno da alma do enfermo; pois, quando isso acontece, "o cavalo o manifesta pondo-se a tremer".

Quando morre um xamã, costuma-se deitá-lo em cima de sua manta de sela, com a própria sela a servir-lhe de travesseiro; entre as mãos, colocam-lhe as rédeas, um arco e flechas.

Entre os beltires, o cavalo do morto é sacrificado a fim de que sua alma guie a do homem; e é significativo o fato de que, logo depois, a carne do cavalo seja dividida entre os cães e os pássaros, também eles animais psicopompos, habituais frequentadores dos dois mundos transcendentes: o de baixo e o do alto.
Esse sacrifício do cavalo ao amo defunto é um costume de tal modo comum, que se chegou até mesmo a considerá-lo um dos elementos constitutivos (e graças aos quais elas podem ser reconhecidas) das civilizações primiti-vas da Ásia.

Ele ocorre, igualmente, entre numerosos povos indo-europeus, e até entre os povos mediterrâneos da Antiguidade: na Ilíada, Aquiles sacrifica quatro éguas sobre a pira funerária de Pátroclo, seu irrepreendível amigo; elas conduzirão o morto ao reino de Hades.

O cavalo, por causa de seu poder de clarividência e de seu conhecimento do Outro-Mundo, desempenha igualmente um importante papel nas cerimônias xamânicas.

O espírito benéfico do xamã altaico, que o acompanha em suas viagens divinatórias, possui "olhos de cavalo que lhe permitem ver, antecipadamente, o que vai ocorrer em trinta dias de viagem; ele vela sobre a vida dos homens e mantém informado o Deus supremo".

A maior parte dos acessórios do transe xamâníco tem relação com o cavalo. Por isso, o tambor ritual, cujo batimento ritmado provoca e faz durar a crise, é fabricado, quase sempre, com a pele estirada de um cavalo ou de um cervo; outros povos denominam-no expressamente o cavalo do xamã.

Por fim, "para ir até o Outro-Mundo", os xamãs utilizam muitas vezes uma bengala cuja parte superior recurva tem a forma de uma cabeça de cavalo, denominada bengala-cavalar, usada por eles "como se se tratasse de um cavalo vivo", o que lembra bastante os cabos de vassoura das feiticeiras ocidentais.

O homem metamorfoseado em cavalo: o possuído e o iniciado

O lugar preeminente ocupado pelo cavalo nos ritos extáticos dos xamãs leva-nos a considerar o papel desse animal nas práticas dionisíacas e, de modo mais geral, nos rituais de posse e de iniciação.
E, logo à primeira vista, impõe-se a seguinte constatação: no Vodu haitiano e africano, no "Lar da Abissínia assim como nos antigos mistérios da Ásia Menor, a inversão dos papéis entre cavalo e cavaleiro, já esboçada mais acima, prossegue, chegando a atingir suas mais extremas consequências.

Em todas essas tradições, o homem, isto é, o possuído, transforma-se ele próprio em cavalo, para ser montado por um espírito. Os possuídos do Vodu são expressamente denominados de cavalos de seus Loa, tanto no Haiti como no Brasil; e o mesmo ocorre na Abissínia, onde, no momento da Wadadja (dança coletiva dos possuídos), o possuído identifica-se ao seu Zar, "já não sendo senão seu cavalo e obedecendo como um cadáver aos caprichos que esse espírito lhe ordena".

O mesmo ritual, com os mesmos termos, era também praticado no Egito, no início desse século, segundo Jeanmaire. As práticas dionisíacas da Ásia Menor não constituem exceção ao que acima menciona-mos como sendo uma regra em toda essa região. Dizia-se com respeito aos adeptos dos mistérios que eles eram cavalgados pelos deuses.
Em torno de Dioniso, o Grão-Mestre das práticas extáticas, abundam as figuras hipomorfas; por exemplo: os Silenos e os Sátiros, companheiros das Mênades (ou bacantes) no cortejo dionisíaco,
são homens-cavalos, assim como os Centauros, que Dioniso embriagou, provocando sua luta contra Héracles (Hércules).

As heroínas das tradições legendárias relativas à orgia báquica, especifica Jeanmaire, "têm nomes em cuja composição entra, com notável frequência, o componente hippé [...] ou recebem epítetos que despertam igualmente a ideia de qualidades relacionadas a cavalos".

Em vista de tudo isso, sem dúvida pode-se compreender por que, nas antigas tradições chinesas, os neófitos eram chamados de jovens cavalos na ocasião de sua iniciação. Por sua vez, os iniciadores e os propagadores de novas doutrinas eram chamados de mercadores de cavalos.
Realizar uma reunião iniciática, mais ou menos secreta, traduzia-se por soltar os cavalos. E se o cavalo simboliza os componentes animais do homem, isso se deve, sobretudo, à qualidade de seu instinto que o faz aparecer como um ente dotado de clarividência.

Corcel e cavaleiro estão intimamente unidos. O cavalo instrui o homem, ou seja, a intuição esclarece a razão. O cavalo ensina os segredos, conduz-se de maneira justa. E sempre que a mão do cavaleiro o leva por um caminho errado, ele descobre as sombras, os fantasmas; embora corra o risco de tornar-se um aliado do demônio.

A iniciação dos cavaleiros do Ocidente medieval apresenta certa analogia com a simbólica do cavalo, montaria privilegiada da busca espiritual.

Seu protótipo é, de certo modo, o combate contra a quimera travado por Belerofonte, cavalgando Pégaso. Assim, pois, após ter sido considerado sob seu aspecto de psicopompo e vidente, o cavalo torna-se o Possuído, o adepto dos divinos mistérios que abdica de sua própria personalidade a fim de que a personalidade de um Espírito superior se manifeste através dele; função passiva que está indicada no duplo sentido da expressão cavalgar e ser cavalgado.

A esse respeito, convém observar que os habitantes do Panteão vodu (os Loa) que vêm cavalgar seus possuídos não são, todos eles, espíritos infernais; dentre os Loa, os mais importantes são os Loa brancos, espíritos celestes, uranianos.

O cavalo, símbolo ctoniano, atinge pois, dessa maneira, sua mais extrema valorização positiva, em que os dois planos — ode cima e o de baixo — se manifestam, indiferentemente, por seu intermédio, o que quer dizer que sua significação se torna cósmica. E, por essa via, alcança o simbolismo do sacrifício védico do cavalo, o Ashvamedha, ritual de caráter essencialmente cosmogônico, como salienta M. Eliade: "O cavalo é (então) identificado ao Cosmo, e seu sacrifício simboliza — ou melhor, reproduz — o ato da criação".

Certas figuras da mitologia grega, como a de Pégaso, representam, por sua vez, não a fusão dos planos de cima e de baixo, e sim a passagem, a sublimação de um para o outro: Pégaso leva o raio a Zeus; ele é um cavalo celeste; no entanto, sua origem é ctoniana, pois nasceu quer dos amores de Poseidon e da Górgona, quer da Terra fecundada pelo sangue da Górgona. Pode-se dizer, então, que ele representa a sublimação do instinto; já não mais o mágico ou o possuído, e sim o Sábio iniciado.

 

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Os cavalos da morte

A valorização negativa do símbolo ctoniano faz do cavalo, por sua vez, uma cratofania infernal, uma manifestação da morte análoga à da ceifeira no folclore mundial.

Na Irlanda, o herói Conal I Cernach possui um cavalo com cabeça de cão, o Vermelho de Orvalho, que dilacera o flanco de seus inimigos.

Os cavalos de Cuchulainn, o Tordilho de Macha (é o rei dos cavalos da Irlanda) e o Casco Negro, têm uma inteligência humana: o Tordilho recusa-se a deixar-se atrelar ao carro do herói, que se prepara para o seu último combate, e derrama lágrimas de sangue; um pouco mais tarde, ele guiaria o vingador Conal I Cernach na direção do corpo de seu amo; quanto ao Casco Negro, vai afogar-se de desespero.

Os cavalos da morte, ou pressagiadores da morte, abundam desde a Antiguidade grega até a Idade Média, estendendo-se a todo o folclore europeu, "Já entre os helênicos, na antiga versão da chave dos sonhos que é a obra de Artemidoro, sonhar com um cavalo é sinal de morte para o doente".

A Deméter da Arcádia (Ceres), muitas vezes representada com cabeça de cavalo, é identificada a uma das Erínias (As Fúrias ou Eumênides), essas terríveis executoras da justiça infernal.

Ela dá à luz um outro cavalo (também filho de Poseidon), Afião, montaria de Hércules. As Harpias, "demónios da tempestade, da devastação e da morte", são representadas como figuras ambíguas, a um só tempo mulheres-pássaros e éguas; uma delas é a mãe dos cavalos de Aquiles; outra, a mãe dos corcéis que Hermes (Mercúrio) oferece aos Dióscuros (Castor e Pólux).

Arimã, o diabo do zoroastrismo, apresenta-se muitas vezes sob a forma de um cavalo, para matar ou carregar suas vítimas. Os cavalos da morte são, em sua maioria, negros como Caros, deus da morte dos gregos modernos.

Negros são também, a maior parte das vezes, esses corcéis da morte, cuja cavalgada infernal persegue durante longo tempo os viajantes perdidos, tanto na França como em toda a cristandade:

Certa vez, à meia-noite quase [...] Ia eu solitário, já muito além do Loire, Quando, ao passar um desvio e chegar Diante de uma Grande Cruz, em uma encruzilhada, Pensei ouvir latidos de uma matilha (de cães) que me estivessem, passo a passo, a seguir as pegadas. E vi ao pé de mim, num grande corcel (negro), um esqueleto de homem a estender-me a mão para que eu subisse, do cavalo, à garupa, então um enorme pavor me percorreu os ossos... (RONSARD, Hino aos demônios).

Mas há também cavalos pálidos, alvacentos, que são muitas vezes confundidos com o cavalo branco uraniano, cuja significação é exatamente contrária.

E quando esses cavalos alvacentos são, por vezes, chamados de brancos, deve-se entender que essa denominação se refere à brancura lunar, fria, feita de vazio, de ausência de cores; ao passo que a brancura diurna é solar, cálida e plena, feita da soma das cores. O cavalo alvacento tem a brancura de um sudário ou de um fantasma. Sua brancura está muito próxima da acepção mais usual do negro: é a brancura do luto, tal como é entendida pela linguagem comum, quando se fala de noites brancas (insones) ou de brancura cadavérica. É o cavalo pálido do Apocalipse, o cavalo branco, presságio de morte nas crenças alemãs e inglesas.

Todos esses são cavalos nefastos, cúmplices das águas turbilhonantes, que se encontram no folclore franco-alemão, desde o Schimmel Reiter (O Cavaleiro do Cavalo Branco), que destrói os diques durante a tempestade, a Blanque Jument (Égua Branca) do Estreito de Calais e o Bian Cheval (Cavalo Branco) de Celles-sur-Plaine, até o Drac, belo cavalo branco que se apodera dos viajantes para afogá-los no rio Doubs (DOND, DONM).

Na Idade Média, a padiola era denominada de cavalo de São Miguel; o cavalo simbolizava a árvore da morte. (Estes últimos exemplos ilustram a valorização negativa do cavalo lunar, associado ao elemento água; examinaremos, mais adiante, sua valorização positiva).

Não poderia faltar aqui o pesado e inquietante cavalo de olhar fixo que povoa a imaginação de Albrecht Dürer. Sob o aspecto semântico, Krappe vê esse cavalo sinistro, quer seja negro ou alvacento, na própria origem do francês cauchemar (pesadelo, obsessão temível) ou do inglês nightmare (pesadelo, visão terrível; tradução literal de night=noite + mare=égua); a mahrt alemã (égua) é um demônio ctoniano, como o indica a palavra. Veja abaixo outros exemplos:

  • esloveno antigo mora = feiticeira;
  • russo mora = espectro;
  • tcheco mura = pesadelo;
  • latim mors = mortas;
  • antigo irlandês marah = morte, epidemia;
  • lituano maras = morte, peste.

Os cavalos da morte ou do pesadelo povoam o folclore céltico: o March-Malaen (Malaen, lat. Malignus) é um dos três flagelos da ilha da Bretanha; os Kelpies da Escócia são cavalos-demônios, e o folclore bretão está cheio de histórias curiosas e de contos referentes a cavalos diabólicos que desviam do caminho os viajantes, ou os precipitam em grotas e pântanos.
Os cavalos negros, nesse folclore, costumam ser na maior parte das vezes quer um diabo, quer um demônio, quer um ente maldito ou uma alma penada; ou, então, são a montaria do herói de uma dessas caçadas malditas pouco antes evocadas no trecho do poema de Ronsard, dentre os quais o mais célebre é sem dúvida o Rei Artur, condenado a perseguir numa corrida sem fim uma presa inatingível.

Nessa lenda, é significativo observar que em suas mais antigas versões a caçada de Artur aparece acompanhada de uma matilha de cães brancos, e que o animal por ele perseguido é uma lebre — animal tipicamente lunar. Dontenville vê no Artur dessa lenda um homólogo celta do Wotan (ou Odin, deus da mitologia escandinava, princípio de todas as coisas: eloquência, sabedoria, poesia etc., e deus da Bravura) germânico.

Outra lenda próxima a essa — a da Dama Branca — merece ser examinada, pois inverte a polarização do símbolo, dando-lhe uma significação sexual, ao mesmo tempo que o corcel dessa nova cavalgada fantástica torna-se "de uma brancura ofuscante: no Jura, assim como no Périgord, a Dama vestida de branco passa por cima dos bosques farfalhantes, e ouve-se o ruído de seus cavalos, de seus lebréus, dos cavalariços e de sua trompa de sons harmoniosos. Essa música, a princípio guerreira, e depois suave e mansa, deve abrir as portas ardentes da volúpia".

Corcel de uma brancura ofuscante, música guerreira e depois voluptuosa — eis que se inicia a ascensão do símbolo cavalo do domínio ctoniano para o uraniano.

A imolação do cavalo

O encadeamento simbólico Terra-Mãe, Lua-Água, Sexualidade-Fertilidade, Vegetação-Renovação periódica permite descobrir outros aspectos desse símbolo. Vários autores explicaram o processo através do qual as divindades ctonianas se tornam, nas civilizações de agricultores, divindades agrárias.

O cavalo, em suas metamorfoses simbólicas, não é de modo nenhum uma exceção à regra. Frazer cita múltiplos exemplos. Em Roma, os cavalos destinados à tropa eram consagrados a Marte, de 27 de fevereiro a 24 de março (as Equínías): iniciavam-se nesse período as expedições militares. Quando elas terminavam, seis meses mais tarde, era sacrificado urna vez por ano, em 15 de outubro, no dia seguinte às colheitas, um cavalo dedicado a Marte. Sua cabeça era guarnecida de grãos de cereais, como forma de agradecimento pela colheita enceleirada; pois Marte era o deus que defendia a coletividade não só contra os flagelos dos cultivos, mas também contra os inimigos do homem. O rabo do animal "era levado à casa do rei com grande celeridade, a fim de que o sangue escorresse sobre a lareira de sua casa. Além disso, parece que também se recolhia o sangue do cavalo, que era conservado até o dia vinte e um de abril; então, as vestais misturavam-no com o sangue de novilhos ainda não nascidos, que haviam sido imolados seis dias antes; distribuía-se essa mistura entre os pastores, que, juntamente com outros ingredientes, a queimavam, utilizando-a depois para fumigar seus rebanhos".

Essa imolação do cavalo devia ser, nas palavras de G. Dumézil, "uma espécie de capitalização régia da vitória. O costume de cortar o rabo do cavalo, observa Frazer, assemelha-se ao costume africano (Guiné, Grande Bassam) que consiste em cortar o rabo dos bois e oferecê-lo em sacrifício, para ter uma boa colheita. Tanto no costume romano como no africano, aparentemente o animal representa o espírito do trigo, e crê-se que seu poder fertilizante resida, em especial, no rabo".

Por causa da rapidez de sua corrida (que o associa ao tempo, como já vimos, e portanto à continuidade do tempo), o cavalo — que, por outro lado, atravessa incólume os países da morte e do frio, e portanto o inverno -, portador do espírito do trigo, do outono até o inverno, preenche a lacuna invernal e assegura a indispensável renovação.

Esse mesmo papel de espírito do trigo — ou de qualquer outro cereal — é-lhe conferido em numerosas outras tradições. Assim, na França e na Alemanha, era costumeiro que na época das colheitas o mais jovem cavalo da aldeia fosse festejado e rodeado de cuidados especiais, pois através dele deveria ser assegurada a nova germinação; e, até o próximo plantio, dizia-se que esse cavalo trazia em si o espírito do trigo.
Na Irlanda, segundo a narrativa de uma testemunha ocular, narrativa esta igualmente relatada por Frazer, no decurso de uma festividade em volta das fogueiras de São João, depois de todos os camponeses terem saltado por cima das brasas, viu-se aparecer repentinamente urna grande estrutura de madeira, medindo cerca de dois metros e meio de comprimento, que ostentava numa de suas extremidades uma cabeça de cavalo, e estava coberta por um grande lençol branco a ocultar o homem que a vinha carregando. Acolheram-na com grandes exclamações: O Cavalo Branco! O Cavalo Branco! A figura mascarada saltou por cima da fogueira e, em seguida, pôs-se a perseguir os espectadores. Quando perguntei o que o cavalo representava, conclui o narrador, responderam-me: todo o gado. De espírito do trigo, o cavalo passou, portanto, a ser o símbolo de toda abundância, fato explicável por seu dinamismo e sua força impulsiva e generosa. A descrição detalhada de outras cerimônias agrárias sublinha essa interpretação.

Em Assam, por exemplo, entre os garôs (Índia), para celebrar o fim das colheitas, a efígie de um cavalo (de cor branca e bastante semelhante ao das festas de São João na Irlanda) é jogada dentro do rio, após uma dança durante a qual se costuma bombardeá-la com ovos. Sabe-se que os espíritos das águas fazem parte do ciclo lunar, e que regem a germinação e o crescimento das plantas. A associação cavalo-ovos reforça os poderes desse espírito do arroz. A cabeça da figura mascarada, observa Frazer, é conservada até o ano seguinte, tal como em Roma se costumava conservar a cabeça do cavalo sacrificado pregada na porta de uma fortaleza.

A afinidade existente entre o cavalo e as águas correntes é claramente ressaltada numa antiga tradição dos pescadores do rio Oka (afluente do Volga), segundo a qual, no início da primavera, dia 15 de abril, data em que os últimos gelos se derretiam, os pescadores costumavam roubar um cavalo a fim de oferecê-lo em sacrifício (afogavam-no) ao Grande-Pai das águas, que despertava justamente nesse dia: "Ó Grande-Pai!, diziam os pescadores, aceita este presente e protege nossa família (isto é, nossa tribo)".

Essa imolação do cavalo por imersão nas águas de um rio parece ter sido praticada por outros povos indo-europeus, entre os quais os gregos antigos, a julgar pela seguinte imprecação, dirigida por Aquiles aos assassinos de Pátroclo (Ilíada, 21, 130 s.): "O belo rio dos turbilhões prateados não vos defenderá. Em vão lhe imolareis touros poderosos e atirareis ainda vivos, em seus redemoinhos, cavalos de cascos pesados; nem por isso deixareis de morrer de uma morte cruel."

Uma divindade das águas

Ao participar do segredo das águas fertilizantes, o cavalo conhece o caminho subterrâneo por elas percorrido; e isso explica que, desde a Europa até o Extremo Oriente, se acredite que ele tenha o dom de fazer brotarem fontes com a pancada de seu casco.

Um exemplo disso, na França, são as nascentes ou fontes Bayard, que demarcam, no Maciço central, o périplo dos "quatro filhos Aymon", e que têm o mesmo nome do célebre cavalo mágico (já citado neste artigo).

O próprio Pégaso inaugura essa tradição ao criar a fonte Hippocrène — Fonte do cavalo — não longe do bosque sagrado das Musas; as Musas aí costumavam reunir-se para cantar e dançar, "e a água corria, a fim de favorecer a inspiração poética".

Neste caso, a função do cavalo é a de despertar o imaginário, assim como anteriormente ele despertava a natureza, no momento da renovação. Por isso, compreende-se que o cavalo possa ser igualmente considerado urn avatar, ou um auxiliar, das divindades da chuva.

Na África, entre os nativos Ewe, o deus da chuva sulca o céu montado numa estrela cadente, que é seu cavalo.

Entre os bambaras do Mali, os iniciados da sociedade Kwore, durante seus ritos para chamar a chuva, montam cavalos de madeira, que representam os cavalos alados sobre os quais os espíritos por eles evocados costumam travar suas batalhas celestes contra aqueles que desejam impedir a queda das águas fecundantes.

De modo mais geral, o símbolo do cavalo, entre os bambaras, segundo Zahan, engloba as noções de velocidade, imaginação e imortalidade: situa-se, portanto, bem próximo a Pégaso. Analogicamente, esse cavalo dos bambaras corresponde à criança e à palavra, o que explica que a mesma planta (o koro), que evoca "a energia do discurso e a abundância das palavras, seja utilizada indiferentemente para fortificar as crianças débeis e para tornar fecundas as éguas estéreis".

Esse exemplo acrescenta às imagens já mencionadas a da criança, que, assim como a fonte, manifesta o despertar das forças impulsivas e imaginativas.
A impetuosidade do desejo

Mas, a partir do instante em que se transpõe o umbral da puberdade, é então que o cavalo se torna plenamente — nas palavras de Paul Diel — o símbolo da impetuosidade do desejo, da Juventude do homem, com tudo o que ela contém de ardor, de fecundidade, de generosidade.

No Hino a Agni, o Rig-Veda evoca a juventude nos seguintes termos:

Como uma abundância agradável,
Como uma rica morada,
Como uma montanha com suas potencialidades,
Como uma onda salutar,
Como um cavalo que se precipita pelo caminho de um só ímpeto,
Como um rio com suas vagas, quem poderia imobilizar-te!

É significativo que nesses versos as noções de água corrente e de fogo (Agni) estejam associadas.

Símbolo de força, de potência criativa, de juventude, adquirindo uma valorização quer sexual quer espiritual, o cavalo participa simbolicamente tanto do plano ctoniano como do uraniano.

Isso leva-nos a evocar o cavalo branco, em sua acepção solar, luminosa. Aliás, é interessante notar que há também duas acepções simbólicas do cavalo negro: na poesia popular russa, com efeito, aquele que até agora havíamos considerado exclusivamente o corcel da morte torna-se o símbolo da juventude e da vitalidade triunfante. "O cavalo negro corre, a terra estremece, e de suas ventas sai a labareda, de suas orelhas, a fumaça, e debaixo de seus cascos brotam centelhas".

Esses são os cavalos negros que se costuma atrelar, nos contos de fadas, à carruagem do casamento; são bem o exemplo, portanto, dos cavalos do desejo liberado; são eles, ainda, os que evocam saudosamente uma canção popular muito recente: "Olá meus jovens anos! Olá meus cavalos negros!" E a mesma imagem é retomada, em 1964, em O Desna encantado, pelo cineasta soviético Alexandre Dovjenko: "Meus anos passaram, meu dia declina, já não posso voar; sinto saudades do passado, e um imenso desejo de selar meus cavalos negros... Onde estais, onde estais!".

E por fim, as palavras cavalo e potro, ou égua e potranca chegam até mesmo a assumir uma significação erótica, revestindo-se da mesma ambiguidade que tem a palavra cavalgar (ou montar).

Mais de um poeta inspirou-se nessa significação; García Lorca, por exemplo, no célebre Romance à casada infiel:

Aquella noche corri el mejor de los caminos, montado en potra de nácar sin bridas y sin estribos.

[Aquela noite corri / o melhor dos caminhos, / montado em potranca de nácar / sem bridas e sem estribos.] (Romancero gitano)

Esta metáfora de um poeta moderno é colhida nas fontes do simbolismo indo-europeu. Do mesmo modo que o cavalo representou a força fecundante, o instinto e, através da sublimação, o espírito, a égua passou a encarnar o papel da Terra-Mãe na hierogamia fundamental Terra-Céu, que preside às crenças dos povos de agricultores.

Anteriormente citamos a Deméter (Ceres) de cabeça de cavalo, deusa da fertilidade. Conta-se que ela se uniu a um mortal - o belo Jasão - nos sulcos de um campo que acabava de ser arado. Esse teatro dionisíaco não foi somente mítico. Nos rituais de entronização dos reis da Irlanda, no séc. XII, conforme são relatados por Schrôder, o futuro rei, durante uma cerimônia solene, devia unir-se a uma égua branca. Esta era imolada logo a seguir, e sua carne, cozida, era partilhada num festim ritual, do qual só o rei não tomava parte. Entretanto, a seguir, ele era obrigado a banhar-se no caldeirão que continha o caldo do animal. A análise desse ritual é eloquente. O que se deduz, efetivamente, é que, através da cópula, o homem e a égua reproduzem a união urano-ctoniana; o futuro rei toma o lugar da divindade celeste para fecundar a Terra, representada pelo animal. Mas, na última prova desse ritual — a do banho no caldo — ele realiza um verdadeiro regressus ad u ter um: o caldeirão representa o ventre da Terra-Mãe, e o caldo, as águas da placenta. A partir desse banho, de caráter tipicamente iniciático, o futuro rei renasce, tendo recebido, como se tivesse passado por uma segunda gestação, transmissão dos mais sutis poderes, dos poderes mais secretos da Terra-Mãe que ele despertara, sob a forma da égua. Através dessa dupla operação, ele abandona sua condição humana para elevar-se ao nível do sagrado, inseparável da condição real.

O corcel solar Ctoniano em sua origem, o cavalo torna-se pouco a pouco solar e uraniano. Após o exemplo precedente, é surpreendente constatar que os uralo-altaicos costumam representar a hierogamia Terra-Céu pelo casal Cavalo Branco-Boi Cinzento. O cavalo - macho, naturalmente - é, neste caso, uma epifania celeste. Os cavalos puxam o carro do Sol, e a ele são consagrados. O cavalo é o atributo de Apoio, em sua qualidade de condutor do carro solar.

É preciso não esquecer que, no folclore, os cavalos veem e entendem. Em uma das miniaturas do Hortus deliciarum (Jardim das delícias) de Herrade de Landsberg, o carro do Sol é puxado por dois ou quatro cavalos, e o da Lua, por bois.

Trata-se, no caso, da retomada de um tema antiquíssimo. Desde os tempos pré-históricos, o Sol é representado num carro, a fim de significar seu deslocamento. E esse é o carro que haveria de tornar-se o de Apolo.

Tal como Mitra, que subia ao céu no carro do Sol, Elias eleva-se num carro de fogo puxado por cavalos. Na Bíblia (2 Reis, 23, 11), faz-se alusão ao carro do Sol. Vê-se também o carro do faraó sendo tragado pelo Mar Vermelho, em uma das pinturas murais da abadia de Saint-Savin (séc. XI-XII, França).

Insere-se igualmente nesse mesmo contexto o cavalo indiano asha, que significa literalmente o penetrante; sua penetração é a da luz. Os Ashvins de cabeça de cavalo, que estão em relação com o ciclo quotidiano do dia e da noite, são filhos de um cavalo e de uma égua — ambos símbolos solares — que encarnam o Dharma (a lei) e o Conhecimento.

O isomorfismo dos Ashvins e dos Dióscuros foi salientado por M. Eliade). Emblema tântrico do Boddhisattva Avalo-kiteshvara, o cavalo simboliza a potência de sua graça, difundida pelos quatro horizontes. No Bardo nodol, Ratnasambhava, Buda do Sul e símbolo solar, está sentado em um trono feito de cavalos. E por isso ele é também, segundo se afirma, símbolo de sagacidade e de beleza formal. Paul Valéry descreveu-o com as características de uma aérea dançarina: "O realismo e o estilo, a elegância e o rigor harmonizam-se nesse ser que possui a opulência pura do animal de raça. O cavalo caminha como se estivesse na ponta dos pés, apoiado de leve sobre os quatro cascos. Nenhum outro animal assemelha-se tanto à primeira bailarina, à estrela de um corpo de balé. como um puro-sangue em perfeito equilíbrio, que a mão do cavaleiro parece manter quase suspenso no ar, e que avança, em passos miúdos e delicados, à luz do sol."

Tanto nos textos búdicos como nos da Índia, e mesmo nos textos gregos influenciados por Platão, os cavalos são sobretudo os símbolos dos
sentidos atrelados ao carro do espírito, e que o arrastam ao sabor de seus desejos, a menos que sejam guiados pelo sei"; que é o senhor do carro.
De modo análogo, o ensinamento do Bardo é comparado e considerado semelhante ao controle da boca do cavalo pela brida. Tudo isso tem uma certa afinidade com o simbolismo de Pégaso. Pois nesses textos aparecem não apenas todos os cavalos alados, como também as associações cavalo-pássaro, com numerosos exemplos nas mitologias e tradições, sempre ligados a um con-texto urano-solar: assim, no Rig-Veda, o Sol ora é um garanhão, ora, um pássaro.

E se esse encadeamento de analogia for levado ainda mais longe, poder-se-á observar que a vivacidade do cavalo, em sua acepção uraniana, faz com que ele seja muitas vezes uma epifania do vento: nos contos árabes, quatro cavalos representam os quatro ventos; e, na China, o cavalo é a montaria de Vayu, divindade do vento.
Bóreas (o deus do vento norte), seu homólogo da mitologia grega, transforma-se em cavalo para seduzir as éguas de Erictônio, que assim gerariam "doze potros tão velozes que, quando corriam sobre um campo de trigo, não chegavam sequer a dobrar as espigas sob seu peso, e quando corriam sobre a superfície do mar nem ao menos o encrespavam".

No entanto, esse mesmo Bóreas também gerou cavalos nascidos de uma das Erínias, e depois, de uma das Harpias: neste caso, portanto, o cavalo nasce de uma união ctonouraniana, e traz em si a violência. E assim, nesse mecanismo ascensional que (como se pode ver através deste último exemplo) não o separa de suas origens, o cavalo se torna pouco a pouco símbolo guerreiro e, até mesmo, animal de guerra por excelência.

Como se viu anteriormente, o cavalo sacrificado em Roma uma vez por ano era consagrado a Marte (deus da Guerra). E o Guerreiro, efetivamente, participa tanto do plano uraniano como do ctoniano; semeador de morte, infernal em sua luta, ele eleva-se aos céus quer por seu triunfo, quer por seu sacrifício.

Esse cavalo-guerreiro é onipresente nas epopeias célticas. É muitas vezes caracterizado por sua pelagem alazã, cor de fogo. Foi encontrado num tesouro céltico, em Neuvy-en-Sullias (Loiret, França), um cavalo votivo acompanhado de uma inscrição dedicada a Rudiobus (o Vermelho): é o cavalo ruivo do Apocalipse, anunciador de guerra e de derramamento de sangue.

Na tradição védica, o cavalo sacrificado simboliza o Cosmo. O carro do Sol, no Rig-Veda, é puxado por um ou por sete cavalos. O cavalo participa do duplo simbolismo solar e de sua dupla validade: força fecunda quando brilha, força mortífera quando entra pela noite adentro.
Os cavalos também são atrelados aos carros funerários. O cavalo de majestade Solar, atrelado ao carro do astro-rei, o cavalo branco torna-se a imagem da beleza vencedora, pelo domínio do espírito (o Senhor do Carro) sobre os sentidos. Branco, porém de uma brancura ofuscante, o cavalo é o símbolo da majestade.

Na maior parte das vezes, ele é montado por aquele a quem a Bíblia se refere como "Fiel" e "Verdadeiro" (Apocalipse, 19, 11), isto é, pelo Cristo. Segundo o texto do Apocalipse, os exércitos do céu que o acompanham cavalgam corcéis brancos. E por isso, veem-se nas miniaturas anjos montados em cavalos.

Na catedral de Auxerre (em Yonne, a 170 km a sudeste de Paris; séc. XIII), num dos afrescos, dividido por uma cruz grega, vê-se o Cristo no centro, montado em um cavalo branco. Na mão direita, ele está segurando um bastão negro que representa o cetro real que, por sua vez, significa seu poder sobre as nações. Nos quatro cantos do afresco, anjos de asas estendidas e montados a cavalo servem-lhe de escolta.

No altar subterrâneo da igreja de Notre-Dame de Montmorillon (Vienne, França), o cordeiro é substituído por um cavalo branco que ostenta um nimbo em forma de cruz. No final dessa ascensão, triunfa a figura simbólica do alvo cavalo de majestade, montaria de, Heróis, de Santos e de conquistadores espirituais. Todas as grandes figuras messiânicas montam corcéis desse tipo.

Assim, na índia, Kalld — futuro avatar e, ele próprio, um cavalo — haveria de retornar como cavalo branco. Dizem os que esperam o novo advento do profeta Maomé que ele haverá de vír montado num cavalo branco. Montaria do Buda para a Grande Viagem (ou Partida), o cavalo branco acaba por ser, sem seu cavaleiro, a representação do próprio Buda.

Em conclusão, vê-se que o Cavalo constitui um dos arquétipos fundamentais dentre os que a humanidade inscreveu em sua memória. Seu simbolismo estende-se aos dois polos (alto e baixo) do Cosmo, e por isso é realmente universal.

No mundo de baixo, o ctoniano, vimos efetivamente que o cavalo aparece como um avatar ou um amigo dos três elementos constituintes desse mundo — fogo, terra, água — e de seu luminar, a Lua. Mas nós o vimos também no mundo de cima, o uraniano, associado a seus três elementos constituintes — ar, fogo e água — (sendo esses dois últimos compreendidos, desta vez, em sua acepção celeste), e ao seu luminar, o Sol.

No frontão do Partenon, são cavalos que puxam tanto o carro do Sol como o da Lua. O cavalo passa com igual desenvoltura da noite ao dia, da morte à vida, da paixão à ação. Religa, portanto, os opostos numa manifestação contínua. Ele é essencialmente manifestação; ele é Vida e Continuidade, acima da descontinuida-de de nossa vida e de nossa morte. Seus poderes ultrapassam o entendimento; o cavalo é, portanto, um ente maravilhoso, não havendo nenhum motivo para surpresa no fato de que o homem o tenha tantas vezes sacralizado, da pré-história à história.
Talvez um único animal o ultrapasse em sutileza no bestiário simbólico de todos os tempos: a serpente, símbolo que se reparte de um modo mais igual em todos os continentes, e que, assim como o cavalo, à imagem do tempo, percorre incessantemente — de baixo para cima e de cima para baixo — o caminho entre os infernos e os céus. Nesse perpétuo vaivém, os caminhos secretos do cavalo e da serpente são os da água: ambos habitam as nascentes e os rios.

E por isso, cavalos e serpentes são tantas vezes os heróis intercambiáveis de inúmeras histórias maravilhosas; ou então, eles se unem, dando nascimento a um monstro estranho, hipofídico.

Tal é o caso do cavalo-dragão (Long-Ma) — que na China traz o diagrama do rio Ho-tu, também chamado Ma-tu, diagrama do cavalo — que para Yu-o-Grande, há evidente relação com o simbolismo do Verbo, que evoca mais uma vez o paralelo com Garuda.

O cavalo toma o lugar do dragão em numerosas lendas chinesas, do Li-sao de Kiu-yuan ao Si-yu ki. Num e noutro desses dois casos, os cavalos contribuem para a busca do Conhecimento ou da Imortalidade.

E, sem dúvida, tampouco foi por obra do acaso que os ancestrais das sociedades secretas, os divulgadores da ciência taoista, os propagadores do amidismo no Japão, tomaram o aspecto de mercadores de cavalos. Nem tampouco se pode considerar mera casualidade que o propagador do Zen na China, Matso, por causa de um jogo de palavras feito com seu nome, seja tido por "um jovem potro que, em seu ímpeto, pisoteia todos os povos do mundo".

A montaria dos deuses

Força e rapidez: estas são as qualidades que o I-Ching atribui ao cavalo. O cavalo é por vezes a montaria de Vayu, divindade do vento, do elemento ar. Os oito cavalos do rei Mu acaso correspondem aos oito ventos, como sugere Granet? Não é impossível.

Em todo caso, na China, o cavalo é um animal tipicamente yang. Antigamente, eram oferecidos sacrifícios ao Primeiro Cavalo, que era uma constelação, mas que evocava uma tradição de criadores de cavalos.

A presença frequente de cavalos (vivos ou figurados) nos templos xintoistas do Japão não é tampouco absolutamente explicada de maneira satisfatória. É possível que tenham sido a montaria dos karni.

No Japão, o cavalo está igualmente ligado às noções de proteção da longevidade (sendo este, também, o caso do cavalo-dragão chinês). E é esse mesmo monstro (misto de cavalo e de dragão) que se pode ver num dos capitéis da igreja de Tavant (França, séc. XII), montado por um cavaleiro nu a perseguir uma feiticeira, igualmente nua, que tenta fugir, andando de gatinhas.

Em sua valorização negativa, é a montaria Infernal do Senhor de Gallery (em francês: Sieur de Gallery), caçador maldito, cuja gesta é comparável à do rei Artur:

Estais escutando o tumulto? [...]
É a caçada de Gallery
Que vai passar por aqui,
ao longo do caminho, com seu bando
De lobisomens e vampiros
Gallery vai à frente
Montado num cavalo
Que tem cauda de serpente
e a pele de um sapo.

Em vez de unificar-se numa só figura mítica, o binômio cavalo - dragão pode igualmente cindir-se em seus dois componentes, que, adquiirindo valores contrários, se defrontam numa luta de morte, que acaba se tornando a luta entre o bem e o mal.

A partir desse momento o cavalo é que passa a ser valorizado no sentido positivo, pois ele representa a face humanizada do imbolo, enquanto que o dragão representa a besta que há em nós (ou o instinto bestial) que é preciso para um homem poder matar. O mito de São Jorge e o dragão é um exemplo disso.

  

Fonte: Livro Dicionário dos Símbolos, por Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, editora J.O.

 

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 Página atualizada por Everton Ferretti em 18/03/2022 na Agência EVEF