Introdução ao Dicionário de Símbolos - Abordagem terminológica

Índice de Artigos

dicionário simbolos simbologia

  

Os símbolos apresentam certa constância na história das religiões, das sociedades e do psiquismo individual. Estão ligados a situações, pulsões e conjuntos análogos. Evoluem de acordo com os mesmos processos.

Esse artigo foi publicado a partir da apresentação do livro DICIONÁRIO DOS SÍMBOLOS, e nesse artigo serão tratados os vários aspectos e conceitos ligados aos SIMBOLOS religiosos, sociais e pessoais.

Para acessar um artigo específico sobre os SÍMBOLOS COMERCIAIS, favor visitar esse link que será encaminhado para outro artigo sobre símbolos comerciais.

2. Abordagem terminológica

O emprego da palavra símbolo revela variações consideráveis de sentido. Para precisar a terminologia utilizada, é importante fazer a distinção entre a imagem simbólica e todas as outras com as quais ela é confundida com demasiada frequência.

Dessas confusões resulta uma diluição do símbolo, que acaba por se degradar e se transformar em pura retórica, academicismo ou banalidade. Se, na prática, nem sempre são claras as fronteiras entre os valores dessas imagens, esta é uma razão suplementar para assinalá-las fortemente na teoria.

 

simbolo bandeira brasil

 

EMBLEMA é uma figura visível, adotada convencionalmente para representar uma ideia, um ser físico ou moral: a bandeira é o emblema da pátria; a coroa de louros, o da glória olímpica.

ATRIBUTO corresponde a uma realidade ou imagem, que serve de signo distintivo a um personagem, uma coletividade, um ser moral: as asas são o atributo de uma sociedade de navegação aérea; a roda, de uma companhia ferroviária; a maçã, de Hércules; a balança, da Justiça. Escolhe-se um acessório característico para designar o todo.

ALEGORIA é uma figuração que toma com maior frequência a forma humana, mas que por vezes toma a forma de um animal ou de um vegetal ou, ainda, a de um feito heroico, a de determinada situação, a de uma virtude ou a de um ser abstrato. Por exemplo: uma mulher alada é a alegoria da vitória, e uma cornucópia é a alegoria da abundância. Henri Corbin exprime com precisão esta diferença fundamental: a alegoria

"é uma operação racional que não implica passagem a um novo plano do ser nem a uma nova profundidade de consciência; é a figuração, em um mesmo nível de consciência, daquilo que já pode ser bem conhecido de outra maneira. O símbolo anuncia outro plano de consciência, que não o da evidência racional; é a chave de um mistério, o único meio de se dizer aquilo que não pode ser apreendido de outra forma; ele jamais é explicado de modo definitivo e deve sempre ser decifrado de novo, do mesmo modo que uma partitura musical jamais é decifrada definitivamente e exige uma execução sempre nova".

METÁFORA desenvolve uma comparação entre dois seres ou duas situações, como, por exemplo, qualificar de dilúvio verbal a eloquência de um orador.

ANALOGIA é uma relação entre seres ou noções, diferentes em sua essência, mas semelhantes sob certo ângulo; a cólera de Deus, por exemplo, tem somente uma relação analógica com a cólera do homem. O raciocínio por analogia é fonte de inúmeros equívocos.

SINTOMA é uma modificação nas aparências ou funcionamento habituais, que pode revelar uma certa perturbação e um conflito; a síndrome é o conjunto de sintomas que caracterizam uma situação evolutiva e pressagiam um futuro mais ou menos determinado.

PARÁBOLA é um relato que possui sentido próprio, destinado, porém, a sugerir, além desse sentido imediato, uma lição moral. Por exemplo: a parábola do semeador, na qual o mesmo tipo de grão cai sobre terrenos diferentes.

APÓLOGO é uma fábula didática, uma ficção de moralistas, destinada, por meio de uma situação imaginária, a transmitir certo ensinamento. Todas essas formas da expressão que contêm imagens possuem em comum o fato de serem signos e de não ultrapassarem o nível da significação.

São meios de comunicação, no plano do conhecimento imaginativo ou intelectual, que desempenham o papel de espelho, mas que não saem dos limites da representação. "Símbolo arrefecido", dirá Hegel, da alegoria; "semântica dessecada em semiologia", precisará Gilbert Durand.

O símbolo diferencia-se essencialmente do signo por ser, este último, uma convenção arbitrária que deixa alheios um ao outro o significante e o significa-do (objeto ou sujeito), ao passo que o símbolo pressupõe homogeneidade do significante e do significado no sentido de um dinamismo organizador.

Apoiando-se nos trabalhos de Jung, de Piaget e de Bachelard, Gilbert Durand fundamenta, sobre a própria estrutura da imaginação,

"esse dinamismo organizador [...] fator de homogeneidade na representação. Em vez de estar apta a formar imagens, a imaginação é uma potência dinâmica que deforma as cópias pragmáticas fornecidas pela percepção, e esse dinamismo reformador das sensações torna-se o fundamento de toda a vida psíquica. Pode-se dizer que o símbolo [...] possui algo mais que um sentido artificialmente dado, detendo um essencial e espontâneo poder de ressonância".

Em Poétique de l'espace (Poética do espaço), G. Bachelard dá maior precisão a esse ponto: a ressonância convida-nos a um aprofundamento da nossa própria existência, produz uma reviravolta no existir. O símbolo é verdadeiramente inovador. Não se contenta em provocar ressonâncias e convida a uma transformação em profundidade, como o demonstrará a quarta parte desta introdução.

 

simbolos matematicos

 

Vê-se, consequentemente, que os símbolos algébricos, matemáticos e científicos são apenas signos cujo alcance convencional está cuidadosamente definido pelos institutos de padronização. Não poderia haver ciência exata que se primisse em símbolos, no sentido preciso do termo.

O conhecimento objetivo, de que fala Jacques Monod, tende a eliminar o que resta de simbólico na linguagem, para reter apenas a medida exata. Não passa de um abuso de palavras, aliás bastante compreensível, denominar símbolos todos aqueles signos cujo objetivo é o de indicar números imaginários, quantidades negativas, diferenças infinitesimais etc. Mas seria um erro acreditar que a abstração crescente da linguagem dentífica conduza ao símbolo; o símbolo é pleno de realidades concretas.

A abstração esvazia o símbolo e gera o signo; a arte, ao contrário, evita o signo e alimenta o símbolo.

Certas formulações dogmáticas são igualmente chamadas símbolos da fé; são declarações oficiais, cultuais, em virtude das quais os iniciados numa fé, num rito ou numa sociedade religiosa se reconhecem entre si; na Antiguidade, os adoradores de Cibele e de Mitra tinham seus símbolos; da mesma maneira, entre os cristãos, a partir do símbolo dos Apóstolos, os diversos Credos, o de Niceia, o da Calcedônia e o de Constantinopla receberam a denominação símbolos.

Na realidade, nenhum deles possui o valor próprio do símbolo, sendo apenas signos de reconhecimento entre crentes e a expressão das verdades de sua fé. Essas verdades são, indubitavelmente, de ordem transcendente e as palavras são empregadas, na maior parte das vezes, num sentido analógico; essas profissões de fé, porém, não são símbolos de modo algum, a menos que se esvaziassem os enunciados dogmáticos de toda significação própria ou que fossem reduzidos a mitos. Mas se, além de seu significado objetivo, esses Credos forem considerados centros de uma adesão e de uma profissão de fé subjetivamente transformantes, tornar-se-ão símbolos da unidade dos crentes, indicando o sentido de sua orientação interior.

O símbolo é, portanto, muito mais do que um simples signo ou sinal: transcende o significado e depende da interpretação, que, por sua vez, depende de certa predisposição. Está carregado de afetividade e de dinamismo. Não apenas representa, embora de certo modo encobrindo, como — também de certo modo — realiza e anula ao mesmo tempo.

Afeta estruturas mentais. Por isso é comparado a esquemas afetivos, funcionais e motores, com a finalidade de demonstrar que, de certa maneira, mobiliza a totalidade do psiquismo.

A fim de assinalar seu duplo aspecto representativo e eficaz, poderíamos qualificá-lo, facilmente, de eidolo-motor. O termo eidolon mantém-no, em relação à representação, no nível da imagem e do imaginário, em vez de situá-lo no nível intelectual da ideia (eidos). Isso não quer dizer que a imagem simbólica não provoque nenhuma atividade intelectual; permanece, contudo, como centro ao redor do qual gravita todo o psiquismo que ela põe em movimento.

 

bone santa fe deus ra egito

No exemplo acima, o círculo foi usado como identidade visual comercial da empresa ferroviária Santa Fé, nos Estados Unidos. Ao lado, um círculo simboliza Rá, o deus sol egípcio.

Quando o desenho de uma roda circular num boné indica que a pessoa é um empregado de ferrovias, a roda estampada no boné não passa de um signo ou sinal; quando usada, porém, em relação ao Sol, aos ciclos cósmicos, aos encadeamentos do destino, às casas do Zodíaco, ao mito do deus Rá do antigo egito ou o mito do eterno retorno, é uma coisa completamente diferente, pois adquire o valor de símbolo. Mas, ao afastar-se do significado convencional, abre caminho à interpretação subjetiva.

Com o signo, permanece-se num caminho seguro e contínuo: o símbolo supõe uma ruptura de plano, uma descontinuidade, uma passagem a outra ordem; introduz a uma ordem nova, de múltiplas dimensões. Complexos e indeterminados — se bem que dirigidos num certo sentido, os símbolos são também chamados sintemas ou imagens axiomáticas. Os exemplos mais sugestivos desses esquemas eidolo-motores são os arquétipos, conforme os denominou C. G. Jung.

Pode-se recordar aqui um conceito de S. Freud, sem dúvida mais restritivo do que o de Jung, sobre os fantasmas originários, que seriam "estruturas fantasmáticas típicas (vida intrauterina, cena primária, castração, sedução) que a psicanálise considera organizadoras da vida: antasmática, quaisquer que sejam as experiências pessoais dos sujeitos; a universalidade desses fantasmas explica-se, segundo Freud, pelo fato de que constituiriam patrimônio transmitido filogeneticamente".

Para C. G. Jung, os arquétipos seriam como protótipos de conjuntos simbólicos, tão profundamente gravados no inconsciente que dele constituiriam uma forma de estrutura: os engramas, segundo o termo usado pelo analista de Zurique. Na alma humana, são como modelos pré-formados, ordenados (taxinômicos) e ordenadores (teleonômicos), i.e., conjuntos representativos e emotivos estruturados, dotados de um dinamismo formador.

Os arquétipos manifestam-se como estruturas psíquicas quase universais, inatas ou herdadas, como uma espécie de consciência coletiva; exprimem-se por meio de símbolos específicos, carregados de uma grande potência energética. Desempenham um papel motor e unificador considerável na evolução da personalidade. C. G. Jung considera o arquétipo -uma possibilidade formal de reproduzir ideias semelhantes ou, pelo menos, análogas [...] ou uma condição estrutural inerente à psique que tem, ela própria, de certo modo, ligação com o cérebro.

 

os 12 arquetipos dos simbolos e das marcas comerciais

 

Mas o que é comum à humanidade são essas estruturas constantes e não as imagens aparentes que podem variar conforme as épocas, as etnias e os indivíduos. Sob a diversidade das imagens, das narrativas e das mímicas, um mesmo conjunto de relações pode-se revelar, uma mesma estrutura pode funcionar.

Mas se por um lado as imagens múltiplas são suscetíveis de uma redução a arquétipos, por outro lado não se deve poder de vista seu condicionamento individual nem se deve, para chegar ao tipo, negligenciar a realidade complexa desse homem, tal como ele é.

A redução, que avança o fundamental pela análise e que é de tendência universalizante, deve acompanhada de uma integração, que é de ordem sintética e de tendência individualizante. O símbolo arquetípico liga o universal e o individual.

Os mitos apresentam-se como transposições dramatúrgicas desses arquétipos, esquemas e símbolos, ou como composições de conjunto, epopeias, narrativas, geneses, cosmogonias, teogonias, gigantomaquias, que já começam a deixar escrever um processo de racionalização.

Mircea Eliade vê no mito o "modelo arquétípico para todas as criações, seja qual for o plano no qual elas se desenrolam: biológico, psicológico, espiritual. A função mestra do mito é a de fixar os modelos exemplares de todas as ações humanas significativas.

O mito aparecerá como um teatro simbólico de lutas interiores e exteriores a que o homem se entrega no caminho de sua evolução, na conquista de sua personalidade. O mito condensa, numa só história, uma multiplicidade de situações análogas; mais além de suas imagens movimentadas e coloridas como desenhos animados, permite a descoberta de tipos de relações constantes, i.e., de estruturas.

Mas essas estruturas, animadas de símbolos, não permanecem estáticas. Seu dinamismo pode tomar duas direções opostas. A via de identificação com os deuses e com os heróis imaginários conduz a uma espécie de alienação: as estruturas são, nesse caso, qualificadas de "esquizomorfas" (G. Durand) ou de "heterogeneizantes" (S. Lupasco); elas tendem, com efeito, a tornar o sujeito semelhante ao outro, ao objeto da imagem, a identificá-lo a esse mundo imaginário e a separá-lo do mundo real.

Ao contrário, a via de integração dos valores simbólicos, expressos pelas estruturas do imaginário, favorece a individuação ou o desenvolvimento harmonioso da pessoa; essas estruturas são, nesse caso, chamadas isomorfas, homogeneizantes, como incitações a que seu sujeito se torne ele próprio, em vez de alienar-se num herói mítico.

Se se considerar o aspecto sintético dessa integração — que é uma assimilação interior a si mesma dos valores exteriores, em vez de ser uma assimilação de si mesma aos valores exteriores — qualificar-se-ão essas estruturas de "equilibrantes" ou de "antagonismo equilibrado".

Por um lado, designar-se-á de simbólico o conjunto de relações e de interpretações referentes a um símbolo, como, por exemplo, o simbolismo do fogo; e, por outro, o conjunto de símbolos característicos de uma tradição: o simbolismo da Cabala, por exemplo, ou a dos maias, da arte romana etc.

Finalmente, a simbólica é, também, a arte de interpretar os símbolos através da análise psicológica, da etnologia comparada, de todos os processos e técnicas de compreensão (sonhos) que constituem uma verdadeira hermenêutica do símbolo.

Também, por vezes, é chamada simbólica a ciência ou a teoria dos símbolos, assim como a física é a ciência dos fenômenos naturais, e a lógica é a ciência das operações racionais.

Trata-se de uma ciência positiva, fundada sobre a existência dos símbolos, sua história e suas leis de fato, ao passo que o simbolismo é uma ciência especulativa fundada sobre a essência do símbolo e sobre suas consequências normativas. O simbólico, segundo J. Lacan, é um dos três registros essenciais que ele distingue no campo da psicanálise, juntamente com o imaginário e o real: "o simbólico designa a ordem de fenômenos dos quais a psicanálise tem de se ocupar, sempre que forem estruturados como linguagem".

Para Freud, a simbólica é "o conjunto de símbolos de significação constante que podem ser encontrados nas diversas produções do inconsciente". Freud insiste mais na relação entre simbolizador e simbolizado, ao passo que Lacan considera em primeiro lugar a estruturação e o agenciamento do símbolo, i.e., a existência de "uma ordem simbólica estruturando a realidade inter-humana".

Por sua parte, C. Lévi-Strauss havia extraído uma noção análoga do estudo antropológico dos fatos culturais: "toda cultura", escreveu ele, "pode ser considerada um conjunto de sistemas simbólicos, em cuja primeira linha se situam a linguagem, as regras matrimoniais, as relações econômicas, a arte, a ciência, a religião".

O simbolismo, finalmente, define uma escola teológica, exegética, filosófica ou estética, de acordo com a qual os textos religiosos e as obras de arte não teriam significação literal ou objetiva e seriam apenas expressões simbólicas e subjetivas do sentimento e do pensamento. O termo é igualmente empregado para designar a capacidade de uma imagem ou de uma realidade de servirem de símbolo, como, por exemplo, o simbolismo da Lua.

Distingue-se da simbólica antes mencionada pelo fato de que esta última compreende o conjunto de relações e de interpretações simbólicas sugeridas efetivamente pela Lua, ao passo que o simbolismo visa somente uma propriedade geral da Lua como fundamento possível de símbolos. Do mesmo modo, se se falar de simbolismo hindu, cristão ou muçulmano, será para designar não tanto o conjunto de símbolos inspirados por essas religiões, mas a concepção geral que elas têm do símbolo e de sua utilização.

Essas precisões de terminologia poderiam ser ainda mais matizadas. Todavia, são suficientes para nos fazer pressentir a originalidade do símbolo e sua incomparável riqueza psicológica.