Introdução ao Dicionário de Símbolos - A natureza indefinível e viva do símbolo

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Os símbolos apresentam certa constância na história das religiões, das sociedades e do psiquismo individual. Estão ligados a situações, pulsões e conjuntos análogos. Evoluem de acordo com os mesmos processos.

Esse artigo foi publicado a partir da apresentação do livro DICIONÁRIO DOS SÍMBOLOS, e nesse artigo serão tratados os vários aspectos e conceitos ligados aos SIMBOLOS religiosos, sociais e pessoais.

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3. A natureza indefinível e viva do símbolo

Viu-se como o símbolo se distingue do simples signo e como anima os grandes conjuntos do imaginário: arquétipos, mitos, estruturas. Apesar de sua importância, não insistiremos mais sobre esses problemas de terminologia. Julgamos conveniente aprofundar-nos na própria natureza do símbolo. Em sua origem, o símbolo é um objeto dividido em dois fragmentos de cerâmica, de madeira ou de metal.

Duas pessoas guardam, cada uma delas, a metade desse objeto (o hospedeiro e o hóspede, o credor e o devedor, dois peregrinos, dois seres que se vão separar por longo tempo etc.). Mais tarde, ao juntar as duas metades, reconhecerão seus laços de hospitalidade, suas dívidas ou sua amizade. Os símbolos eram também, para os gregos da Antiguidade, sinais de reconhecimento que permitiam aos pais reencontrar os filhos abandonados.

 

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Acima: o Triangulo da Luz, objeto que faz parte do enredo do filme Tomb Raider

 

Por analogia, estendeu-se o significado da palavra aos cupons, senhas, fichas que dão direito a receber soldos, indenizações ou víveres, e a todos os sinais de adesão, presságios e convenções. O símbolo separa e une, comporta as duas ideias de separação e de reunião; evoca uma comunidade que foi dividida e que se pode reagrupar. Todo símbolo comporta uma parcela de signo partido; o sentido do símbolo revela-se naquilo que é simultaneamente rompimento e união de suas partes separadas.

A história do símbolo atesta que todo objeto pode revestir-se de valor simbólico, seja ele natural (pedras, metais, árvores, flores, frutos, animais, fontes, rios e oceanos, montes e vales, planetas, fogo, raio etc.) ou abstrato (forma geométrica, número, ritmo, ideia etc.).

Como diz Pierre Emmanuel, podemos entender por objeto, neste caso, "não apenas um ser ou uma coisa real, mas também uma tendência, uma imagem obsedante, um sonho, um sistema de postulados privilegiados, uma terminologia habitual etc. Tudo aquilo que fixa a energia psíquica ou a mobiliza em seu benefício exclusivo fala-me do ser, em diversas vozes, diversas alturas, sob inúmeras formas e por diferentes objetos intermediários; e eu perceberia, se lhes prestasse atenção, que esses últimos se sucedem em meu espírito por meio da metamorfose".

Consequentemente, o símbolo afirma-se como [...] um termo aparentemente apreensível, associado a outro que — este, sim — escapa à apreensão. No sentido freudiano da palavra, o símbolo exprime, de modo indireto, figurado e mais ou menos difícil de decodificar, o desejo ou os conflitos. O símbolo é a relação que une o conteúdo manifesto de um comportamento, de um pensamento, de uma palavra, ao seu sentido latente [...].

A partir do instante em que se reconhece a um comportamento, por exemplo, pelo menos duas significações — das quais uma toma o lugar da outra, mascarando-a e expressando-a, ao mesmo tempo — pode-se qualificar de simbólica a relação entre essas duas significações.

Esta relação caracteriza-se por certa constância entre os elementos manifestos e os elementos latentes do símbolo. Para muitos psicanalistas, o que é simbolizado é sempre inconsciente: "Nem todas as comparações são símbolos", escreve S. Ferenczi: "somente aquelas nas quais o primeiro componente estiver rejeitado no inconsciente" (ibid.). Por conseguinte, à medida que a criança rejeita e disfarça menos o seu desejo do que o adulto, seu sonho é também menos simbólico e mais transparente. Assim, o sonho não seria sempre e inteiramente simbólico, e os métodos para sua interpretação variariam conforme os casos, valendo-se tanto das simples associações como dos símbolos propriamente ditos.

Para C. G. Jung, o símbolo não é seguramente nem uma alegoria nem um mero signo, mas sim "uma imagem apropriada para designar, da melhor maneira possível, a natureza obscuramente pressentida do Espírito". Recordemos que, na terminologia desse analista, o espírito engloba o consciente e o inconsciente, concentra "as produções religiosas e éticas, criadoras e estéticas do homem", colore todas as atividades intelectuais, imaginativas e emotivas do indivíduo, opõe-se, como princípio formador, à natureza biológica e "mantém constantemente desperta essa tensão dos contrários que está na base de nossa vida psíquica" (J. Jacobi).

C. G. Jung, ao continuar essa linha de pensamento, especifica que: "o símbolo nada encerra, nada explica — remete para além de si próprio, em direção a um significado também nesse além, inatingível, obscuramente pressentido, e que nenhum vocábulo da linguagem que nós falamos poderia expressar de ma-neira satisfatória".

Ao contrário, porém, do mestre vienense, ele não considera que os símbolos sejam um disfarce de outra coisa. São um produto da natureza. É verdade que essas manifestações não são desprovidas de sentido, mas o que escondem não é necessariamente o objeto de uma censura que reapareceria sob a forma temporária de uma imagem simbólica.

Nesse caso, esta imagem seria apenas um sintoma de uma situação conflitiva, em vez de exprimir a tendência normal da psique para realizar todas as suas virtualidades. É na ultrapassagem do conhecido em direção ao desconhecido, do expresso em direção ao inefável, que se afirma o valor do símbolo. Se um dia o termo oculto tornar-se conhecido, o símbolo morrerá.

Simbólica é a concepção que, superando qualquer interpretação concebível, considera a cruz a expressão de certo fato ainda desconhecido e incompreensível, místico ou transcendente (e portanto psicológico em primeiro lugar), que é absolutamente impossível de ser representado com maior exatidão, a não ser pela cruz. Desde que um símbolo seja vivo, "ele é a melhor expressão possível de um fato; só é vivo enquanto prenhe de significação. Se essa significão vier à luz, ou melhor: se se descobrir a expressão que melhor formulará a coisa buscada, inesperada ou pressentida, então o símbolo está morto: resta-lhe somente um valor histórico". Entretanto, para que esteja vivo não 'basta que o símbolo ultrapasse o entendimento intelectual e o interesse estético.

Deve também suscitar uma certa vida: "só é vivo o símbolo que, para o espectador, for a expressão suprema daquilo que é pressentido mas não ainda reconhecido. Então, ele incita o inconsciente àparticipação: gera a vida e estimula seu desenvolvimento.

Recordemos as palavras de Fausto: de que modo tão diferente esse signo agiu sobre mim [...]. Ele faz vibrar em cada um a corda comum".

R. de Becker resumiu bem esses diferentes aspectos do símbolo: "O símbolo pode ser comparado a um cristal que reflete a luz de maneiras diversas, conforme a faceta que a recebe. Pode-se ainda dizer que ele é um ser vivo, uma parcela de nosso ser em movimento e em transformação. De modo que, ao contemplá-lo e apreendê-lo como objeto de meditação, se contempla também a própria trajetória que se pretende seguir, apreende-se a direção do movimento em que é levado o ser.

Reabilitar o valor do símbolo não é, de modo algum, professar um subjetivismo estético ou dogmático. Não se trata absolutamente de eliminar da obra de arte seus elementos intelectuais e suas qualidades de expressão direta e, muito menos, de privar os dogmas e a revelação de suas bases históricas.

O símbolo permanece na história, não suprime a realidade nem abole o signo. Acrescenta--lhes uma dimensão, o relevo, a verticalidade; estabelece, a partir deles: fato, objeto, sinal, relações extrarracionais, imaginativas, entre os níveis de existência e entre os mundos cósmico, humano, divino.

Retomando as palavras de Hugo von Hofmannstal, "o símbolo afasta o que está próximo, reaproxima o que está longe, de modo que o sentimento possa apreender tanto uma coisa como outra".

O símbolo, como "categoria transcendente da altura, do supraterrestre, do infinito, revela-se ao homem por inteiro, tanto à sua inteligência quanto à sua alma. O simbolismo é um dado imediato da consciência total", afirma Mircea Eliade, "isto é, do homem que se descobre a si mesmo como tal, do homem que toma consciência de sua posição no Universo; essas descobertas primordiais estão ligadas de modo tão orgânico ao seu drama, que o próprio simbolismo determina tanto a atividade de seu subconsciente como as mais nobres expressões de sua vida espiritual".

Portanto, a percepção do símbolo exclui a atitude do simples espectador e exige uma participação de ator. O símbolo existe somente no plano do sujeito, mas com base no plano do objeto. Atitudes e percepções subjetivas invocam uma experiência sensível, e não uma conceitualização. É próprio do símbolo "o permanecer indefinidamente sugestivo: nele, cada um vê aquilo que sua potência visual lhe permite perceber. Faltando intuição, nada de profundo é percebido".

Além de ser uma das categorias da altura, o símbolo é, também, uma das categorias do invisível. A decodificação dos símbolos conduz-nos, para retomar as palavras de Klee, "às insondáveis profundezas do sopro primordial, porquanto o símbolo anexa, à imagem visível, a parte do invisível percebida ocultamente". Esse ponto de vista é pormenorizadamente desenvolvido por Jean Servier, em seu livro L'homme et l'invisible (O homem e o invisível).

A compreensão dos símbolos depende menos das disciplinas racionais do que de uma percepção direta através da consciência. Pesquisas históricas, comparações interculturais, o estudo das interpretações dadas pelas tradições orais e escritas, as prospecções da psicanálise contribuem certamente para tornar essa compreensão menos arriscada.

Tenderia, porém, a imobilizar-lhe a significação, se não se insistisse sobre a natureza global, relativa, móvel e individualizante do conhecimento simbólico. Este extravasa sempre os esquemas, mecanismos, conceitos e representações que lhe servem de sustentação. Jamais é adquirido para sempre nem é idêntico para todos.

Contudo, de modo algum confunde-se com o indeterminado puro e simples. Apoia-se sobre uma espécie de tema de infinitas variações. Sua estrutura não é estática, se bem que efetivamente temática. Dele pode dizer-se o mesmo que Jean Lacroix escreveu sobre a consciência, a propósito do Paradoxes de la conscience et limites de l'automatisme (Paradoxos da consciência e limites do automatismo) de Raymond Ruyèr: "ela transfigura os índices conforme temas conjugados", em vez de transformá-los em um feixe bem atado, que se denominará conclusão de síntese. "O paradoxo da finalidade da consciência", continua Ruyèr, "é que ela é uma antecipação simbólica do tempo futuro".

Pode-se completar a fórmula e dizer que a finalidade do símbolo é uma somada de consciência do ser (em todas as dimensões do tempo e do espaço), bem como de sua projeção no além. O fuso das Parcas é mais denso de sentido do que o feixe de varas dos antigos lictores romanos.

Pode-se dizer, também, que o símbolo ultrapassa as medidas da razão pura, sem por isso cair no absurdo. Não surge como o fruto maduro de uma conclusão lógica ao cabo de uma argumentação sem falhas.

A análise que fragmenta e pulveriza é impotente para captar a riqueza do símbolo; a intuição nem sempre o consegue; para isso, ela deve ser eminentemente sintética e simpática, isto é, partilhar e provar de uma certa visão do mundo. Porque o símbolo tem, como privilégio, concentrar sobre a realidade de partida — Lua, touro, lótus, flecha —, todas as forças evocadas por qualquer uma dessas imagens e por suas análogas, em todos os planos do cosmos e em todos os níveis da consciência. Cada símbolo é um microcosmo, um mundo total.

Não é acumulando detalhes através da análise que se lhe capta o sentido global: é necessária uma visão quase sinóptica. Um dos traços característicos do símbolo é a simultaneidade dos sentidos que revela. Um símbolo lunar ou aquático é válido em todos os níveis do real, e essa multivalência é revelada simultaneamente".

Na lenda fula (peúle) de Kaydara, o velho mendigo (o iniciador) diz a Ham-madi (o peregrino, em busca de conhecimento): "Ó meu irmão! aprende que cada símbolo tem um, dois, vários sentidos. Esses significados são diurnos ou noturnos. Os diurnos são favoráveis, e os noturnos, nefastos" (HAMK, 56).

Tzvetan Todorov demonstrou que no símbolo se produz um fenômeno de condensação: "Um só significante induz-nos ao conhecimento de mais de um significado; ou, para simplificar, o significado é mais abundante do que o significante."

E cita o mitologista Creuzer, da época romântica, a quem cabe o mérito de ter revivificado a sensibilidade em relação aos símbolos, sensibilidade esta que estava anestesiada pelas pretensões da razão à hegemonia intelectual: "o símbolo revela a inadequação do ser e da forma [...] o extravasamento do conteúdo em relação à sua expressão".

Sob a diversidade de suas formas e interpretações, um símbolo conta, entretanto, entre suas propriedades, com a constância na sugestão de uma relação entre o simbolizador e o simbolizado: com efeito, a taça invertida simbolizando o céu exprime não apenas a analogia evidente de um mesmo desenho, como também tudo o que o céu evoca para o inconsciente, a saber, segurança, proteção, morada de seres superiores, fonte de prosperidade e sabedoria etc.

Quer assuma a forma da cúpula numa basílica ou mesquita, ou a forma de uma tenda de nômades, ou de uma casamata, a relação simbólica permanece constante entre os dois termos, taça e céu, quaisquer que sejam os graus de consciência e as utilidades imediatas.

Outra propriedade dos símbolos é a sua interpenetração. Nenhum compartimento estanque os separa: existe sempre uma relação possível entre um e outro. Não há nada de mais alheio ao pensamento simbólico do que o exclusivismo das posições ou o princípio da exclusão de terceiros. Os conteúdos simbólicos possuem aquilo que C. G. Jung chama "afinidade essencial".

Em nossa opinião essa afinidade reside numa relação, de formas e fundamentos inumeráveis, com o transcendente, i.e., num dinamismo ascensional teleonômico. A partir do momento em que aparece uma relação de grau entre duas imagens ou duas realidades, uma relação hierárquica qualquer, seja ela fundada ou não sobre uma análise racional, um símbolo estará virtualmente constituído.

Os símbolos são sempre pluridimensionais. Exprimem, de fato, relações terra-céu, espaço-tempo, imanente-transcendente, como a taça voltada para o céu ou para a terra. Esta é a primeira bipolaridade.

A outra: sendo síntese de contrários, o símbolo tem uma face diurna e uma face noturna. Além do mais, muitos entre esses binários possuem analogias entre si que também se exprimem como símbolos. Estes últimos poderiam ser do segundo grau, tal como o nicho ou a cúpula sobre seu pedestal em relação à taça isolada. Em vez de basear-se no princípio da exclusão de terceiros, como a lógica conceitual, a "simbólica", ao contrário, pressupõe um princípio da inclusão de terceiros, isto é, de uma possível complementaridade entre os seres e uma solidariedade universal que são percebidas na realidade concreta da relação existente entre dois seres ou dois grupos de seres, ou entre muito mais de dois.

O símbolo, pluridimensional, é suscetível de um número infinito de dimensões. No momento em que alguém percebe uma relação simbólica, encontra-se na posição de centro do universo. Um símbolo só existe em função de uma determinada pessoa ou de uma coletividade cujos membros se identifiquem de modo tal que constituam um único centro.

Todo o universo articula-se em torno desse núcleo. Esta é a razão pela qual os símbolos mais sagrados para uns são apenas objetos profanos para outros: o que revela a profunda diversidade de suas concepções. A percepção de um símbolo, a epifania simbólica, situa-nos, com efeito, dentro de um determinado universo espiritual.

Da mesma maneira, jamais se deve "separar os símbolos de seu acompanhamento existencial; jamais deles eliminar a aura luminosa no seio da qual nos foram revelados, como, por exemplo, no grande e sagrado silêncio das noites, diante do firmamento imenso, majestoso e envolvente.

O símbolo está ligado a uma experiência totalizante. Não lhe podemos apreender o valor, a não ser que nos transportemos em espírito para o meio global onde ele realmente vive. Gérard de Champeaux e D. Sterckx realçaram de modo ainda mais perfeito essa natureza particular dos símbolos: "condensam, no cerne de uma única imagem, toda uma experiência espiritual; [...] transcendem lugares e tempos, situações individuais e circunstâncias contingentes; [...] solidarizam as realidades aparentemente mais heterogêneas, relacionando-as todas a uma mesma realidade mais profunda, que é sua última razão de ser".

Por acaso essa realidade mais profunda não será o centro espiritual com o qual se identifica, ou do qual participa, aquele que percebe o valor de um símbolo? É em relação a esse centro, cuja circunferência respectiva não está em parte alguma, que o símbolo existe.

 

Termos disponíveis no dicionário de símbolos: